sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Péricles:85 anos de nascimento do criador do Amigo da Onça


Péricles de Andrade Maranhão, apesar do sobrenome das capitanias sarneyditárias, nasceu em Recife em 14/agosto/ 1924.foi a, sua, primeira piada.

Por um dia escapou do Dia do Economista(13/08) e veio no Dia do: Cardiologista, Combate à Poluição, do Frevo. E do Protesto.

Um economista a menos nunca é demais. Um cartunista a mais nunca é de menos.

O Amigo da Onça estreou n'O Cruzeiro em 23/10/43, dia dos 37 anos do vôo do 14-Bis, e dos 21 do meu pai.as versões para inspiração do personagem: em the enemies of man, da Esquire. em el enemigo del hombre de Divito, da argentina Patoruzu. ou na piada, pronta.Eu nasci em 51. Quase todos desenhos, pareciam estar à minha espera, de aprender o abc e beber da fonte, dos causos contados na venda do meu pai, enquanto o povo da vila aguardava o trem das 21.Foi a minha deformação de caráter e, de caracteres.

No salão de barbeiro, no açougue do Augustão Ricardo, nos comércios, no dentista japão-novo, Yoja-san, na oficina do Jirú mecânico, na banca do Jirú peixeiro, todos liam a última página do veneno semanal. e ai da categoria não tripudiada! caía no ostracismo, das troças.

No Brasil pré tv, as notícias viajavam de trem. A Cruzeiro era disputada no jornaleiro pelos concursos de miss, pelas reportagens do David Nasser( a cena carioca era, demasiadamente, próxima de nós: Aída Cury, Leopoldo Heitor, Dana de Teffé ) mas o campeão de folheança era O Amigo da Onça, seu humor popular, rasteiro, iconoclasta de atirar no próprio, personagem. (Vão Gogo era muito refinado para nós.) Onça era destaque, nas paredes,nos espelhos, disputando, crença x humor com a Santa Ceia.
A molecada toda garatujava,rabiscava. era nosso quebrador de tabús, o que atirava, sempre, a primeira pedra.

Um dia a festa acabou, o gás o pegou, como no cartum de 7/05/60, que encerra o vídeo.

domingo, 9 de agosto de 2009

Presente de japa ou o mundo é pequeno, viu?

Meu pai foi, sempre, um precursor, uns que estão a frente dos modismos e costumes do seu tempo ou ,no mínimo , ajudam a transpor barreiras e nortear comportamentos.


Penúltimo filho de uma família que aportou aqui em 1918, zarpando de Uchiná ( Okinawa), cedo desencantou da agricultura." carregar feixes de cana no sol quente,c'o as formigas comendo o couro sem poder descarregar por não ter quem ajudar a por nas costas, não é mole, viu, seu?"


Meu avô fazia pinga. duas tropas, em 30 e 32, desistiram de lutar, acantonaram se no sítio" duns amarelos que nem falavam, brasileiro , direito", e ordenavam :japon, hoje mata o porco... e trás pinga.mata galinha e pinga. quando acabou a criação e a pinga partiram sem arigato(obrigado).

O avô, revoltado e obrigado pelo prejuízo, quis destruir o alambique.

Meu pai convenceu a ele: deixa a fogueira apagar, dentro de uns anos voltamos a fabricar.

E meu pai foi vender, de trem em trem, a pinga nos comércios beira trem.

Meu avô materno era comerciante.uma noite um caixeiro-viajante, velhinho, perdeu o último trem e a pensão do vilarejo não tinha vaga.pediu prá dormir na varanda.meu avô o hospedou na sala, mesmo tendo cinco filhas em casa.
O dono da pensão foi à prefeitura:" o japon montou hotel".(menos mal que não falou bordel.) Quando a intimação chegou, meu avô foi lá. a multa era cancelada se obtivesse alvará de hotel.montou.e a pensão fechou.
meu pai se hospedava ali, nas viagens, namorou minha mãe, num tempo dos omiais( casamento acertado pelos pais), e prá não quebrar o costume, mais tarde ,ajeitou o casório duma irmã dela com irmão caçula seu.

Mais tarde foi aprendiz dum comerciante perto dali,em C. juntou os milréis, casou e foi abrir uma venda, que prosperou rápido, a ponto do meu pai trazer seu irmão caçula, prá escapar, também, da maldição familiar do chonan(primogênito) que herdava tudo.
Minha irmã mais velha rompeu as barreiras do lugar, ao pedir, e conseguir vir a Sampa entrar na Usp.

N.san, shacho( presidente) do kaikan( associação japonesa) bradou numa reunião:"Chogi tá errado, filha não precisa estudar, só casar. ele tá engordando genro".

(40 anos após fui lá disputar um torneio de futsal categoria de 18/30 da colonia.no meu tempo só descendentes e mestiços jogavam.hoje até quem casa com estas jogam. como eles não tem mais ninguém, em atividade, me ligaram. Ô Serjão! sô cinquentão! " ué, eu também!se voce vier tamos no jogo, dá cinco com voce".presente de japa. 4 partidas num domingão, até a final, sem banco prá dar uma respirada.chega uma hora que se torce prá perder.

Eu revi N.san,oitentão ,na arquibancada.

É. De baixo dessa quadra quatro décadas te contestam.D'uma coisa eu tenho certeza: quando eu casei com gaijin( estrangeira ou quem não é japones) N.san não criticou. o filho dele, S., meu amigo, também.)

A irmã formou, noivou e marcou casório na minha terra, no vale dos sem eira nem beira.

Nos domingos, o pai fechava a venda pro almoço, arrebanhava a criançada, na panela, o espaço generoso atrás dos bancos da Veraneio, e lá íamos nós levar convites de casamento ,e apresentar os noivos.

Cada casa, uma hora no mínimo. e dá lhe chá. e tubaína.Num lugarejo, C. ,o pai falou prá mãe: vai co'eles, não diz que tô aqui, e dormitou.No retorno dos visitantes, prá mãe, e aí, falaram alguma coisa?nada.

E aí riu. e ria. o mundo é pequeno, viu, seu!pequeno! antes de fazer algo pr'alguém, pensem bastante, viu?aqui se faz, aqui se caga!(o pai, já, era frasista)

As meninas pediam em coro, conta, pai! conta! afinal, seduzido pela platéia atenta, veio o causo.

Foi quando Janio fez comício nas vilas beira trem. O cargueiro trouxe caixa de madeira , com furos entre ripas, e uma cadela, doente, sarnenta, cheio de pús.
Sacrificamos a bichinha prá não passar pros cachorros da vila.Benjamin, inspetor de quarteirão foi dar parte.seu Durvalino, chefe de estação, tentou descobrir o tal mazarope, o remetente da caixa prá mim, em vão.

Meu pai perguntou umas meias dúzias sem sucesso.E aí cevou os cabras do trem cargueiro na pinga. o pessoal descarregava os despachos ou carregava vagões de banana. ao fim, lanchavam ou biritavam na venda. o pai dava bule de café temperado c'uns goles de caninha, ou conhaque palhinha no inverno, mais umas lascas de fumo em corda da bahia , pitar prá espantar os borrachudos.

Uma tarde, o maquinista se despediu;brigado, seu Chogi, é a última viagem, vou aposentar. só sinto não poder dedar o sem vergonha que mandou a cachorra, podia passar doença, até, prás crianças.mas vou dar uma pista, o cabra é comerciante em C., despachou primeiro a caixa prá Santos com despacho depois prá cá. como cê sabe? andei perguntando pros colegas.Arigato, senhor ajudou muito, boa aposentadoria.

E a cada vez que ele encontrava gente de C. dizia: brigado da cachorra. que cachorra? isso é pegada?tá louco,Chogi?

Um, titubeou, não respondeu, desconversou.

Foi esse, o A.?É.Foi o A.

Perto do natal, Augustão Ricardo matou um boizão, velho, no açougue. e veio co' a idéia. Chogi, esse boi tem o maior saco e apetrechos que já vi na vida.Va'mbora mandar de presente pro seu amigo da cachorra?Topada na hora, dessas de arrancar dedão do pé.

O conselho da vila conluiou as últimas considerações. o saco do boi congelava na geladeira, embalado por plástico, perfumado em litros de lavanda ,das baratas, das que o povo se besuntava prá dançar nos arrasta pés.

Quem leva? tem que ser pessoal, não dá prá despachar, nego do trem deda.Luis T. e Choichi prontificaram, foram descartados.porque? ora, quais japons cês conhecem que usam rayban, direto?

Yoshaki? não dá, qual japon é tão preto? só esse. gente que dá prá reconhecer fácil não serve.

Foi assim que João S. pegou o trem das onze, que se não era o último, era o átimo de revanche, cercado pela vila solidária, esperançosa.

Ao se aproximar de C. foi ao banheiro, botou uma camisa banlon azul cheguei, chapéu de palha enterrado na cabeça e foi a caça. O trem parou e João chamou moleque: ô minino! vem'qui, cê entrega esse pacote na venda pro A?fala que é presente de natal, e pega esse pacote de doces procê, mas corre, vou olhar daqui!

E na volta,as quatro embarcou na primeira classe e viu o A. e o pessoal bisbilhotando os vagões de segunda, junto co'menino.

Depois do shogatsu ( ano novo) tio Choko encontrou A. na prefeitura. Após os omedeto( parabéns- tradição japonesa de cultuar o ano novo) veio:

Fala prá Chogi brigado do presente de natal.
que presente? meu irmão não se dá co'cê, porque mandaria presente? só se tivesse de fogo, e ele nem bebe!
verdade? apostava que era ele. por que? uma vez mandei uma cachorra doente prá ele, de sacanagem.

pior que foi minha mulher que abriu...venda lotada..ela alegre..A. ganhamu presente..gritou e saiu correndo prá dentro...camaradas que tava fazendo compra tudo viu..e riu...povo riu dela.



E cum essa'mizade toda, porque convite?
Cês são bobos mesmo, não sabem que o A. é tio da M. que vai casar com meu sobrinho J.? e a irmã dela vai casar com primo, dos A. que moram naquela casa perto da usina? não tem escapatória, vai ser parente de dois lados.

Ah! ruim ,né?pior, hem?

E encrenca pouca é bobagem. M. e J pegaram A. e meu pai de padrinhos.A obasan ( mulher de meia idade)dos H., mãe de M. juntou os dois sem testemunhas e fez sermão: voces tão ficando parentes e tem cisma um do outro, vão subir lado a lado no altar, desse jeito?parece criança.

Aí não teve perdão que desse conta:

gomen ( perdão), né! pela cachorra! gomen pelo saco de boi! gomen, né obasan! era pr'esse sem vergonha do A. abrir, passar carão na venda, não pra obasan...

E assim A. e o pai conseguiram se aturar, até o casamento seguinte, da S.irmã da M.

Porisso qu'eu falo: o mundo é pequeno! tem que ver que vai fazer pr'outro.o mundo vira,japones dança.

Pois é, pai ! dizem que elefantes não esquecem.

D'elefante não sei, mas uchinanchú* não esquece nunca...

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*uchinanchú é o nativo de Uchiná(Okinawa) antigo reino Ryukyu, invadido pelo nihon ...

então ficamos assim:os japs nos discriminavam como kusomaiá ** ou gachimaiá ***.

E o supra sumo dos ataques: parecem baianos, nordestinos...

ora, fácil de distinguir. somos meio baiadestinos.
Ao ver caras mais morenos, exuberantes ,cheios de charme, sensualidade e musicalidade, sonho de consumo das loiras e das mulheres de bom gosto, pode arrastar: É UCHINANCHÚ!

** e ***A tradução, só de sacanagem, voces vão ter que perguntar pros uchinanchús.E ser liga, dar caso, mande meru(email). mando um haikai , palavra! presente de uchinanchú!