segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma andorinha só não desfaz tesão ou o caso do formigueiro

Foi no verão depois da onda de bodoques prá nós e dos bambolês das meninas, no vale dos sem eira nem beira.
Na vila apareceram co'a simpatia da andorinha.Tinha que matar no por do sol da noite de lua cheia, com bodoque e bolinhas de vidro de gude novas,botar a ave num formigueiro depenada, esperar das formigas à restar só os ossos, pegar o osso central, dito da sorte,encapar no papel prateado que tem dentro dos maços de cigarro, esperar a próxima lua cheia ou sexta feira 13, o que antes viesse, escolher a garota dos seus sonhos de tesão, esfregar o osso, sem embalagem, nas costas da menina, entoar uma ladainha de mandinga e aí, tiro e cama!
Seguro viveu de velho. Imprecações destarte,precauções à parte, copiei das linhas garatujadas em folha de caderno ensebadas que lidas parecia meio latim, que eu manjava das missas levantando a saia de padre Nivaldo tilintando o sino até que todos coroinhas desistiram, "entramos no golpe da irmã 'Maculada que prometeu um fardamento completo,camisa do santos,calção e meião pro nosso infantil se todos domingos de missa tivesse dois coroinhas",meio time aderiu,desistiu,virou tudo ateu.."promessa de home de saia nunca mais".
E o final da mandinga parecia inglespanhol.'Tava lendo uma policial, copiei ali prá não esquecer na hora h,do hímem, hai!

Tico e Cezário doutrinavam a molecada,andar com camisinhas no bolso, prá não fazer igual o N.ão, goleiro do ginásio, que já engravidou duas. e co' a segunda o bicho teve que casar.camisinha pai vendia na venda, escondido dos olhos da gente, mas eu sabia onde era.Informação é poder.só esperar os japs que iam na velha M. servente, cinquentona ,da escola. Nós, molecada, sabíamos de tudo. Os gêmeos dos A. campanavam na trilha, á beira da valeta do bananal. sete e pouco da noite passava o primeiro, eles na adivinhação dos vultos : é fulano, não. é sicrano. até as 9.15, que passava o trem da noite e povaréu se recolhia, na era pré tv, onde só se via chuviscos. eu e a mãe conseguimos ver dois capítulos de direito de nascer,mãe dolores só a voz, e um fugitivo, mas ninguém acreditou.
Na hora do trem, das onze, prá ir pro ginásio, confrontavámos as informações: tal hora passou um de lanterna 3 pilhas( era maior, clareava mais), camisa clara.

Ah! era Toku, sumiu mais ou menos por aí.Depois um de chapéu, tossindo muito.aposto que era Choichi, viu se a luz da sua casa não refletiu no óculos?
E a andorinha, matou? Eu também errei, duas bodocadas, uma de bolinha americana, e nada...bão, quem tem a manha prá pedir prus fregues da velha M. comprar camisinhas no meu pai?Cê pega. não, não dá. o velho controla o estoque, risca numa caderneta.
Os planos continuavam. ninguém sabia quem já tinha matado andorinha, nem as eleitas de cada um.
E se ela fosse da vila, roubar uma coberta, ou um pano qualquer da mãe, prá forrar o chão do bananal, no bacanal.E ameaçar os gemeos A. prá não olhar.ou se olhar não dedar.
Julho chegou co'as férias e o escandalo estourou. seu W., chefe de estação, que bebericava pinga com groselha a cada trem que passava, botou a mulher e as filhas de férias prá casa dos sogros em I. perdeu a hora e foi flagrado, de manhãzinha, abrindo a porta da estação para a S.M. sair, descabelada, pelos apressados a pegar o trem.

Pobre S.M. tava na vila uns cinco anos, só. Morava numa casinha do meu pai, a primeira da família, onde nascemos cinco de nós, na rua debaixo de casa.

Veio de" cidade grande prum buraco desses", arrastado pela aposentadoria do pai, seu C.,ex taxista portugues, ainda de sotaque, e fazia jus à raça. era um dos parceiros de sueca do meu pai, e o mais criticado por Jiru mecânico e Augustão Ricardo nas domingueiras viajadas e jogadas nas vilas vizinhas.
Dona M. mãe da S. era um fenomeno no consumo de cibalena, melhoral, fontol e cafiaspirina.
A S. vinha na venda, quando pouco seis vezes ao dia, caderneta de fiado na mão. Eu troçava: vai ciba? Ah! agora ela quer fontol. eu não acertava nunca.hoje sei que era a legítima hipocomprimídica.
No verão dos bambolês, a molecada deu uma avaliada nela. bonitinha, loira, meio gordinha. o que mata é essa saia plissada, abaixo da linha do joelho.mas tinha uma irmã, a M.I! quando vinha de Santos, sem namorado na maior parte dos feriadões,, até eu ia levar revistas ou buscar, as de fotonovelas, prá ver a I. dentro duns short's colados, exíguos, que, aposto, ela não tirava, ela pedia prá descascar. e nós idem, ibidem. adonde nós decorávamos belas palavras d'amor, que iríamos usar, logo, logo, porque o futuro adoça o presente. e adeus não estava nos planos.pilhas de frases feitas, decoradas, adulcoradas, tal as faces coradas, sedentas.
A gente ía pro ginásio,na sede do município, no trem das onze e voltava ,quanto não tinha a 5º aula,no trem das quatro. Fora isso, a prefeitura destinava um basculante para trazer os alunos. as meninas faziam revezamento na cabine. Foi o Tico que notou primeiro, barraram a S.na cabine,por que? elas falam que galinha co' elas não.Só na caçamba junto co'a gente a tapar os zóio da areia que esvoaçava.Prás meninas pior ainda ,uma mão segurar a saia outra na ripa parafusada na frente da caçamba.
E aí o ossamu, o japa mais fdp da vila. enfiou a mão na bunda da S., levantou a saia, e riu co' seus primos, tá furado,
Ora, sempre soube que Deus divide certo por ruas tortas! Nós jogávamos a pelada a esperar o trem, rua de cima X rua de baixo, co' a estação de divisor de mágoas.

No pau que fechou a de cima, eu, Tico, Cezário levamos mais socos e chutes que a turma de baixo, ossamu e os japas com dois a mais.Quando o velho seu Fiore conseguiu parar o caminhão fora do asfalto os caras amarelaram co' ameaça," amanhã todos na sala do diretor".
Que nada! a bronca veio, a notícia correu, as meninas trataram a gente ,quase, de herói.
Muita menina pensou, se der, já tem quem me defenda.
O pulo da gata caiu no esquecimento até que,uma noite, seu W. misturou aniz,canelinha e fogo paulista, enrolou a língua e soltou a queixa contra os olhares de recriminação, prá platéia a esperar o trem das nove e quinze:
...olha aí, os bilhetes dela, me chamava de viado, cê não é home não?não vai comê? cê é brocha?
...e puxava uns papéis do bolso,folhas de espiral, quer ler? não, seu W. tá certo. deve ter sido difícil,né?seguinte é esse,sinhô tem cupa não.
Dona G. , a cronista fofocal da vila, na manhã começou a pregar a absolvição do seu W., meio a meio a vila murmurava, a S. é de menor, tem treze.Treze?os bochichos ressoaram, aí rapidinho
seu W, pediu transferencia d' estação ,sem despedida e endereço.
A S. encarregou a mana M.I. a convencer seu C. e se mandou prá cidade.
Tico foi simbora quando seu pai foi transferido pela estrada, Cezário, dizem, é pm na grande sp, deve ser da banda da pm, o cara era sanfoneiro d' ouvido e tocava repique na fanfarra, eu só tocava de pauta e bumbo...
No Biible do nosso tempo, o google, nem rastros deles todos, não tão escalados em time nenhum, nem vencedores, nem vencidos.
No cantar das árias felizes, o pior galinho é o que anseia esporear.A vez chegou em Sampa, co'as engaioladas, pelo alcaide, numas grades d'Aurora, a cobrar cinco ovos d'ouro , sem pena nem simpatia, dois anos de bumbo.
Eu fico de torcida em lembrança dos dias felizes da minha molequice.

Espero que a S.M. tenha vivido e revivido, em outras estações da vida até o invernal que nos hiberna a todos.
Seu W. tenha aprendido que as lolitices dantanho, hoje dá cana, sem groselha, chama pé de folia. E uma dúvida fustiga as horas mortas, as sombrias para matar o pensar:quem, diabos, passou o osso na S.M?será que seu W. também soube da simpatia?ou ,ela ,deu prá outro, a simpatia errou, a andorinha pousou no pinto em outra casa?
E perguntar não simpatiza: Se voce encontrar,num desses sebos, uma edição dupla de Mistério Magazine de Ellery Queen de 1959, capa dura meio roxa e verde,um detetive à la'mericana, chapéu, capa de gabardine bege, ray ban,+- nº 22 a 25, veja na contra capa se não tem escrito em letra de forma, a Simpatia d'Andorinha.Se for ela, fotografe com o celular e mande, via blog, para eu conferir a letra imberbe. Tudo para preservar a cultura, e crendice, popular.
PS. Se voce for testar, antes, É por sua Costa e Pinto.ztz!Conta e Risco!
(Não Aceito Reclamações!)
Dedicado à NaMaria por ter propiciado a lembrança deste caso, nos comentários do seu blog.

Um comentário:

  1. Wilson;
    reitero: sou tua fã. Não por esta descabida homenagem, mas pela tua poesia infinita de sempre. Ler aqui é ter de reler muito e cada hora ver aparecer uma flor diversa. Gosto deste teu jardim cheio de espécies, coisas lindas.
    Não faço ideia qual comentário teria sido o despertador de texto tão bacana, tão memorável. Mesmo assim agradeço, principalmente por fazer parte de formigueiro tão bom. Emocionou geral.
    Beijão.

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