sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O trem cortou o queijo em tres partes.

Foi lá por quando a Laika foi pro espaço. Na missa mensal, padre só não chamou russo de santo.

" eles são comunistas, comem criancinhas", bradava aterrorizando os fiéis que se apressavam a puxar seus rebentos prá perto da sua mão acolhedora, mas nem tanto e nem sempre.

Eu administrava o medo só, meus pais nunca os ví na igreja, eu era coroinha prá ganhar jogo de camisas pro infantil da vila, co' mais meio time.

" eles querem invadir o céu de Deus! a chama do inferno os aguarda "!

A molecada desceu o morro da igreja, onde subir já era pagar promessa, confabulando: e as camisas, falou quando vai trazer?fala pro padre, tem que ser do santos. onde fica rússia?

ah, é lá onde a seleção joga co' a camisa escrita : camarada, cuidado co' pelé. mentira sua, wilson, isso tudo não cabe numa camisa. ô cacete qu'é mentira, é só as letras, burro, nunca leu a Cruzeiro? trago amanhã, tá lá,C C C P.

Na vila do vale dos sem eira nem beira, nave espacial não cabia no nosso espaço. russos?
ah! é da mesma raça do Queijo que morreu debaixo d'um trem cargueiro noturno, desses de surpresa que não tem hora nem dia certos.
Queijo era um brancão quarentão calvo que apareceu na vila e foi ser camarada, que era como os trabalhadores dos bananais eram nominados, dos Y.

Nos fins de tarde, a molecada jogava no campinho em frente à estação, co' Queijo refestelado na escada de quatro degraus dos Y. camisa de saco aberta ao peito, calça farwest, bebendo no bico, serra grande de litro.
quando já escuro, Queijo já bebum,litro vazio, cantava em língua estranha melancólicas toadas e dormitava sua dor na escadaria dos Y. até a manhã, onde tudo começava, de novo.

Uma noite, depois do das nove, povo já recolhido, lá pelas onze, barulho de trem de carga passando trem brecando, vozerio na linha, seu Durvalino chefe d' estação chamou meu pai: ô seu Chogi, arruma os lampiões petromax, recarrega de querosene que a noite vai ser braba, trem pegou alguém...

Pai correu co's apetrechos, mais lanternas de três pilhas e debandaram todos prá medir o tamanho do choro que acometeria a que família.

O primeiro que subiu pela estrada, entediado, avisou, foi o Queijo, o trem cortou em três, só dá cheiro de pinga.

Corri na mãe, já tenho cinco anos, deixa eu ir ver, nunca ví um morto, que dirá um russo, deixa?

Vai, respondeu, sonolenta,não deixa o pai te ver, eu disparei lépido, dei uma topada numa pedra, arrancou unha do dedão, mas nem praguejei.

Na penumbra dos petromax tava toda molecada, uns alforriados, outros escondidos.

Queijo esticado sobre um pano branco, ajeitado prá ser fotografado, molecada de olho arregalado, montaram a cabeça com os braços , barriga, e os cotos da perna, sob o palpitar do povo, falta um pedaço, ali, na perna, não tem sangue, que cor é o sangue desses russos, nem na linha alí na curva tem sangue, e a polícia pediu documento do Queijo pro Y. san, quedê que ele tinha? Benjamin, portador ( os que seguravam bandeiras verdes na entrada da estação) e inspetor de quarteirão da vila, pai de Tico, meia esquerda do infantil deu depoimento, assinou, névoa e garoa descendo, polícia pergunta pro conselho da vila, aviso voces do dia do enterro, não, carece não, ninguém conhecia direito, era só um russo, branco mas russo, no finados acendemos uma vela prá ele.

Na subida do morro da escola, molecada sabia que Queijo tinha ido pescar na lagoa do pedro piruca, largou uns lambarizinhos envoltos em folha de bananeira, perto da curva onde morreu, o litro de pinga vazio, Y. san pegou Dito preto de camarada, cacete, tamo fudido, Dito preto trabalhando aí, vai querer jogar todas tardes, vai quebrar tudo mundo, esse cavalo, não joga nada, fala com seu J. diretor da escola, o Dito já é demaiô, besteira, num vê que seu J. gosta dos dimaior, oia os dois quiele pegô prá criar, dois patoludos, e chegô a fessora. fessora, é quinem oce diz, o corpo tem treis parte, cabeça, tronco e membros, de madrugada morreu o queijo, fessora, um russo que morava na vila, eu fui o único do primeiro da vila que viu, fessora, porque russo não tem sangue, fessora. é a pinga? não, crianças, eu não devia falar disso prá primeiro ano, mas é um veneno que eles bebem, é a tal da vodka, vó de cá? não, v- o-d-k-a ! eles são tão fingidos que a vodka é a bebida perfeita, não tem côr, nem tem cheiro, esses vermelhos, mas ele era brancão, é figura de linguagem, nós somos brancos, voces são pretos, voce wilson é amarelo, são de cor, ah, bom, fessora, na minha certidão tá cor amarela, vai dar descrição prá gente fazer, da morte? não, wilson, voce pode fazer, igual ao do juiz que voltou da morte prá julgar um matador,,
padre perguntou quem era espírita aqui, traga prá eu ler, eu sei que não, o inspetor não sabe, diz que voce copiou, vive lendo gibís...
pois é, fessora, se bodas de ouro são cinquenta anos, eu levei um post de ouro prá contar esse causo. qual é a moral da história?
Nunca mais acreditei em hómi de saia e muié de pano e véu na cabeça e de vingança pelo fardamento do infantil que o padre não deu eu perpetrei essa frase:
sou do tempo que os padres diziam, comunistas comem criancinhas, hoje sabe se que eles também, por outras vias, amém.
E os russos? bão, é gente acima de qualquer descrição. em 2000 a tal de fifa encafifou um torneiozinho de verão e mutretou prum timezinho da marginal, s/nº que eles lavavam mais vermelho a grana da máfia, ganhar, e trouxe um time lá dos camelos, um dos cangurus, um dos pandas e uns europeus em pré temporada e mais a fim de festa e deu uma das maiores tirações de sarro nesses coitados, em butecos e beira de campo.
O último russo que andava na linha o trem pegou.
O duro que eles tiveram que aplaudir um gringo, scarface tevez, um beque sem cintura que veio só prá ensebá, um tal de chefinho que só servia quando tava de pé, sem falta, um tal de mas que cano!
ainda hoje eu morro de pena quando vejo camisas desbotadas carlitos tevez.ora, carlitos só o chaplin!

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