domingo, 20 de dezembro de 2009

NAKODO ( O CASAMENTEIRO)

Foi lá por quando os candangos começaram a erguer Brasília.
Na vila dos sem eira nem beira, os japão-novos já tinham embarrado suas casas de pau a pique e cobertas de sapé.
As ruins novas sobre a derrota do Nihon e a dominação americana, mudaram os planos da colonia uchinanchú, voltar, não mais. ficar, a opção sem escolha.
Meu pai iniciava a construção da venda, mais um anexo de 8 salas para depósito, um sobrado nos fundos onde crescí mais 7 irmãos que foram se aninhando.
O pedreiro, coisa rara na terra dos adobeiros, era o G. san, amigo do pai, e veio do A do ABC.
Na vila, o estado ausente,no cotidiano pai era correio, banco,fornecedor de rancho e insumos para acerto na safra ou corte da banana.
Nas agruras,serrava tábuas das caixas de mercadorias, fazia os caixões,a cruz, empalmava colher e lá ía a cimentar o morto,4 palmos e 4 quilometros abaixo,na vila do meu avô materno, conduzidos, ele e a família, pelo sempre Jirú mecanico em seu fordinho 49 de carroceria de ripas.
Ao adentrar na varanda, chamava: mãe, dá o sal.( os uchinanchús mantém o ritual, até hoje, de jogar o sal, por trás dos ombros, para purificação)
Eu tinha cinco anos, e perguntava: morre e vai prá onde? pai respondia: pobre quando morre vai tudo pro céu.
Então chegava maio, dia de Undokai, no 1º domingo,a comemorar o aniversário do imperador Hirohito, competições de crianças a velhos onde todos participantes ganhavam, de cadernos e lápis a toalhas e caixinhas de ochá, e doces, muito doce!
Nós íamos cedinho, portando trouxas de obentô, pai só ao meio dia quando dava prá fechar a venda.
A colonia, reforçada pelas vilas vizinhas, em festa, bebericando groselha e cerveja sem gelo terminava noitezinha caindo,cantos chorados dos uchinanchús,panos envoltos na cabeça num odori dolorido que nunca mais vi igual.
As moças d'um lado, rapazes d'outro se esguelhavam, e aí na primeira chuvarada de dois tres dias seguidos, as comitivas vinham desestear o descanso do almoço do pai, que abria a venda as 6:30 pro trem das 7, e fechava as 9:30 pro trem da noite.
As famílias, o pai a frente, o pretendente, e fechando prá não dar escape, a mãe,entravam direto na casa,nem passavam na venda.
Chogi san, está?
ô yoshozinho, vai chamar pai!
Que foi? sei não, são uns japão novos, nunca ví.
Ao ver os trajes de festa, pai já se tocava, é miai ( encontro para fins de casamento)!
Mãe já tinha botado ochá na mesa, pai chegava, conversa trivial parava,que omiai é caso sério.
É pro nosso chonan aqui, o Kotake, tá com 27, não bebe nem fuma, só trabalha prá mokeru (fazer dinheiro), né!Dá prá senhor fazer o omiai?
Mas em quem ele tá pensando?
Ah, Chogi san! ele quer a segunda dos Ota, a Sanae, ele viu no casamento dos Tamashiro, acha que ela gostou dele.
Mãe!acha que a obasan vai pular a vez da mais velha e deixar a segunda casar na frente?
Não, pai.a segunda é muito haikara ( chique), ela tem 4 filhas, vai querer seguir a fila.quais as que ele gostou, do undokai nenhuma?
Take gostou de uma de bem longe, não dá, nós não temos nem cavalo prá passeio, só prá arar.obasan não sabe onde dava prá tentar?
Bom, nos Y. tem três na idade de casar, moças fortes com saúde, não são tão bonitas mas trabalhadeiras, por que não dão uma visitada?
Chogi san, faz as honras prá nós, podemos ir domingo? vou empreitar Jirú san prá levar.
Domingão, eu afoito, pai, fecha! tá na hora, posso ir junto? nunca ví um omiai!
vai mas fica quieto que a coisa é séria.
Uma hora de fordinho 49, a gemer nas picadas bananeiras serra acima, vento ventando na venta, lugarejos que nunca ví, quer alegria maior?
E chega a casa das pretendidas, o caminhão chora na última subida, buzina e tá a família reunida a esperar, pai pula da carroceria e cumprimenta,os de casa se entreolham, tá esclarecido, não tem notícia de morte,Chogi san tá junto! é omiai!
A casa tem um espaço só, recoberto de tábuas, o resto chão, tantas vezes, batido, junto ao fogão de lenha mesa e dois bancos.
sentam e a obasan levanta prá fazer ochá. senta e conversa disfarça, conversa vagueia, eu já olhando pros lados, criançada da casa espiando pelas frestas da cortina de saco de aniagem, uma das filhas entra a servir ochá, olhos no rés do chão, o candidato deu uma esguelhada rápida, e dá lhe mais uma hora de prosa sem definição.
a obasan levanta, vem outra filha trazer manjiú e caldo de cana.
o Take deu outra avaliada. e a roda do chá recomeça, Take nem pisca, vem a terceira,bidú!
o Take deu um sinal, um pontape por debaixo da mesa, os pais levantam:
A família K. tem a honra de pedir a mão de sua filha, essa que veio por último, para o nosso filho Kotake, trabalhador, de boa saúde, sem vícios,vão ter um monte de filhos, e mokeru, né? Chogi san garante!
se aceito podemos garantir que vamos fazer casa de madeira pros noivos, o dinheiro já tá no ginkô!
os anfitriões pedem licença, vão consultar as filhas. volta,primeiro só autoriza prá mais velha, os Y. não teriam outros filhos ou parentes prá não quebrar a escrita?
Y.san, sai para o páteo,o Take junto, meu pai também, confabulam. Take tá conspirando: trás o jinan prá segunda, o primo Massao prá mais velha, eu fico co'a terceira, pai diz vamos voltar no domingo que vem, outra vez.
Em casa, pai pede uma panorâmica das moças casadoiras, mãe faz uma geral, quem é haikara, quem combina com quem, quem não.
hontô? (verdade?)como pode uma mulher que não sai de casa, e ainda reveza na venda saber tanto? só olho, diz.
No domingo nem deu graça,era um omiai de noivos marcados, torcí prá uns darem estremeliques, nada...três casais iam casar seus destinos.
Nas outras sucessivas vezes eu nem mais queria ir, perdera a novidade, então era assim que os japas casavam?
A nova venda subia, o sobrado junto,G. san recebeu a visita da filha Ginko.
pai mandou carta prá Registro para o irmão K. avisa o seu chonan J. que tem uma moça ideal prá ele, bonita e boazinha, filha de amigo dele.
J. veio. conversou, aceitou e uma vez por mês Ginko e J. namoravam na sala de casa.
Nm mes o J. deu cano, Ginko esperou e pegou o trem prá santos, rumo a santo andré.
No outro mes, igual, pai pegou Jirú mecanico e o fordeco 49 e lá foram prá R.
O J. não tá, informou o irmão de pai, K.san, parece que desmanchou o omiai. por que?
viu um cara numa festa mostrando a foto da moça. e J. não perguntou porque o cara tinha a foto? não, mandou carta e desmanchou.
Poucas vezes ví pai tão furibundo, fez discurso ao seu irmão K. falou que a moça era filha dum amigo dele, o G. san, e que nunca mais poria os pés na sua casa, mesmo sendo irmão mais velho.
G.san, aceitou o pedido de desculpas e logo a Ginko engatou um omiai e casou, pai foi na festa.
Pai fez mais uns omiais prá não perder a prática, e um que só ficamos sabendo 3 décadas depois.
Yoshinobu era o jinan dos O., trabalhava numa montadora do B, e uma vez por mes vinha de trem visitar os pais.
Minha tia Nilda, caçula de mãe, e parece quem me batizou, também viajava no primeiro fim de semana pós pagamento, descia 4 quilometros trem abaixo prá ver meus avós maternos.
Yoshinobu vinha na venda e sapecava logo: Como está sua cunhada? pai nem respondia.
Um dia a pergunta pegou o pai virado: escuta aí, o cabra! ce viaja todo mes com ela, mesmo trem, e eu é que tenho que responder? pergunta prá ela! Chogi san, tenho vergonha!
Ela tá noiva dum naichi, porque? quer o que?
bão, se der errado alguma coisa, eu queria que falasse de mim.
Com a intimidade que tinha co' meu avô,( pai apresentou seu irmão caçula que casou co' a irmã mais velha de mãe,)numa das festas de família, pai falou com o sogro, Saburo san, um descendente de samurais de 1,80, magro, orgulhoso que no fim da vida, obrigado a usar cinturão de hérnia e tomar sol,por baixo usava calça de pijama,e depois paletó, camisa social e gravata, pros gaijins não o verem prostrado pela doença.
O avô chamou a filha, a tia pediu permissão prá desmanchar, e casou com o Yoshinobu, que prá não perder a ocasião apresentou um irmão que casou com a primogenita da minha tia mais velha de mãe.
Os dois contaram prá nós o porque da consideração pelo pai,e só se separaram por um cavalo teimar em entrar parabrisa adentro do carro do meu tio Yoshinobu, numa noite chuvosa na Manoel da Nóbrega, rumo a chacrinha perto da antiga plantação de bananas da sua família.
A tia criou o casal de filhos, fez jornalismo e,hoje, octogenária é uma prova viva que os tempos pré orkut e sites de relacionamento, nos tempos do omiai os casórios davam certo... principalmente se fosse pedido por Chogi san...
E aos que pagaram dotes aos nakodos prá armar seus casórios, pai nunca cobrou nada das famílias ou dos noivos, a não ser os convites da festa, eu junto.
minha especialidade era partir o pescoço da galinha,assada,recobrir com papel de bala de noiva,puxar os fiapos para cauda, botar um tabako aceso no bico, enfiar numa garrafa de biru e colocar na frente dos noivos, antes que o fotógrafo batesse suas fotos.
lembrar do casal estático, sem poder protestar...Vai estragar nossa foto!! não tem pose!

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